AFROETNOMATEMÁTICA, ÁFRICA & AFRODESCENDÊNCIA
HENRIQUE
CUNHA JUNIOR
Professor
Titular – Universidade Federal do Ceará –
(UFC)
- AFROETNOMATEMÁTICA
Afroetnomatemática é a área da
pesquisa que estuda os aportes de africanos e afrodescendentes a matemática e
informática, como também desenvolve conhecimento sobre o ensino e aprendizado
da matemática, física e informática nos territórios da maioria afrodescendentes.
Os usos culturais que facilitam os aprendizados e os ensinos da matemática
nestas áreas de população de maioria afrodescendentes é a principal preocupação
desta área do conhecimento.
A afroetnomatemática se inicia
no Brasil pela elaboração de praticas pedagógicas do Movimento Negro, em
tentativas de melhoria do ensino e do aprendizado da matemática nas comunidades
de remanescentes de quilombo e nas áreas urbanas cuja população é majoritária
de descendentes de africanos denominadas de populações negras. Esta
afroetnomatemática tem uma ampliação pelo estudo da historia africana e pela
elaboração de repertórios de evidência matemática encontrados nas diversas
culturas africanas. Este estudo da historia da matemática no continente
africano trabalha com evidências de conhecimento matemático contidas nos
conhecimentos religiosos africanos, nos mitos populares, nas construções, nas
artes, nas danças, nos jogos, na astronomia e na matemática propriamente dita
realizada nos continente africano. O que é realizado para o continente africano
tem sua extensão para as áreas de diáspora africana. A complexidade da racionalidade lógica
africana é a matéria por de trás destas pesquisas.
A preocupação com o ensino e o
aprendizado da matemática em territórios de maioria afrodescendente nasce da
constatação das precariedades da educação formal matemática nestas áreas.
Constatamos que em muitas das áreas de maioria afrodescendente praticamente
inexiste ensino competente e adequado da matemática. Existindo daí um grande
fracasso no aprendizado da matemática que fica imputado a população e não a
ineficiência do sistema educacional. Encontramos em muitos destas áreas de
maioria afrodescendente o credo esdrúxulo e racista de “negro não dá para a
matemática”. Este credo esdrúxulo cria sua própria cultura de naturalização
social e passa exercer a sua força de reprodução, servindo como justificativa
ideologia da ausência de políticas publicas do estado para o ensino e
aprendizado da matemática nestes territórios. “O dito” negro não dá mesmo para
a matemática “inferioriza os afrodescendentes e cria um medo interior, uma rejeição a matéria matemática. Fica no ar um
pensamento, como se os teste escolares de matemática revelariam a verdade do
credo esdrúxulo, mostrando uma confirmação da suposta inferioridade cognitiva
deste afrodescendentes para a matemática. O credo serve para justificar a falta
de ação e adequada do sistema educativo as necessidades de aprendizado
matemático dos afrodescendentes. O persistência de uma abordagem universalista
produz discursos anti-pedagógicas de os educadores ensinam “igualzinho a
todos”, e se deduz que “uns” aprendem, os eurodescendentes de outras áreas
sobre tudo, e “outros” não aprendem. Os outros tem designação social de pretos,
pobres e pardos. Nós pesquisadores interessados no desempenho matemático de
afrodescendentes temos observados que nos territórios de maioria
afrodescendentes por vezes não existe o ensino de matemática. Trata –se apenas
de uma simulação de ensino de matemática. Aa aulas de matemática são
descontinuas, dadas por professores improvisados e de treinamento precário para
desempenho das suas funções. Onde ele existe é deficiente e desprovidos dos
meios e métodos adequados. No entanto, o ônus da deficiência de um sistema educacional,
que leva sempre a submissão e a inferiorização dos afrodescendentes, recai
justamente sobre nos afrodescendentes, dando a impressão de que temos uma dificuldade genética para a o
aprendizado da matemática. Assim uma das tarefas importantes da Afroetnomatemática
é o uso da historia de africanos e afrodescendentes para mostrar o sucesso
passados nas áreas da matemática e dos conhecimentos relacionados com esta como
a arquitetura e a engenharia.
Dado esta finalidade da
Afroetnomatemática é que organizamos este texto introdutório em quatro
direções. Abrimos nosso caminho de exposição pela apresentação biográfica
resumida de quatro expoentes da arquitetura e da engenharia afrodescendente na
cultura brasileira. Seguimos pela exemplificação da matemática nas praticas
culturais africanas. Reforçamos nosso argumento pelas realizações da
Afroetnomatemática pelas pratica culturais das religiões do Candomblé no
Brasil. Terminamos pela introdução de um jogo antigo africano muito útil para a
educação matemática brasileira atual. A função deste texto é da motivação ao
leitor educador para ir consultar uma literatura mais ampla apresentada no
final do texto.
- AFRODESCENDENTES EXPOENTES NA ENGENHARIA E NA ARQUITETURA
Na década de 1970, eu estudei engenharia
na Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, e logo no
inicio do curso encontrei nesta escola a presença de dois destacados
professores negros. Um já falecido, mestre da área de topografia e aero
-fotometria, Professor Sergio Sampaio, o outro, um dos engenheiros de renome
nacional da área do planejamento de transporte o Professor Doutor Felix
Bernardes. Comentando com meu pai sobre a presença deste professores ilustres
meu pai fez-me ver que a engenharia brasileira começa com grandes expoentes
negros. Dentre eles Mestre Valentin, Theodoro Sampaio, André Rebouças, Antonio
Rebouças, Manoel Quirino. A historia dos afrodescendentes na engenharia
brasileira é muito rica um pouco difícil de ser recuperada, pois, muitos dos
participantes eram autodidatas, construíam sem terem diploma das escolas de
arquitetura. Meu pai mesmo sempre trabalhou em engenharia na Secretaria de
Obras Publicas do Estado de São Paulo, como desenhista, no entanto, era
autodidata e aprendeu arquitetura, fez muitos projetos cuja assinatura foi de
outro profissional diplomado. Outra dificuldade é que o país sempre desprezou o
conhecimento de africanos e afrodescendentes, devido aos racismos ou a falta de
conhecimento dos responsáveis pela elaboração da cultura oficial.
Mestre Valentim é um gênio
afrodescendente, que inaugura o urbanismo no Brasil. Seu mais importante
projeto, o “Passeio público do Rio de Janeiro”, construído em 17, é primeiro
conjunto arquitetônico urbano do Brasil e das Américas com ajardinamento e
obras de arte ao estilo francês. Trata-se de um gênio do urbanismo, da
arquitetura e da escultura, cuja importância nacional em termos históricos só
se equipara a Oscar Niemeyer.
Theodoro Sampaio (1855-1937).
Dentre os mestres dos mestres a minha maior admiração é pelo engenheiro
Theodoro Sampaio devido à riqueza da sua historia de vida. Era filho de
escrava, nascido Santo Amaro da Purificação, na Bahia, que depois de formado
reuniu dinheiro para comprar a liberdade da usa própria mãe. Foi uma expoente
em diversas áreas do conhecimento, sendo pesquisador nas geografias, no
saneamento e na filosofia. Mesmo com a usa genialidade e cultura foi vitima das
diversas facetas do racismo brasileiro, o que prejudicou em muito a sua
carreira profissional e acadêmica, sem, no entanto, impedi-lo em deixar
exemplar legado para as gerações futuras a sua época. Viveu e estudou em pleno
escravismo criminoso. Estudou na Escola Politécnica do Rio de Janeiro e se
formou em 1877. Foi engenheiro responsável pelos planos e água e saneamento das
cidades de Santos e de Salvador. Foi professor da Faculdade de Filosofia e
fundador da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Dedicou-se também
a política sendo deputado federal pelo Bahia em 1927. A rua Theodoro Sampaio,
no bairro de Pinheiros em São Paulo, é uma homenagem de reconhecimento da
sociedade paulistana a este ilustríssimo engenheiro negro baiano (Costa, 2001).
No período império que também
faz parte do período do escravismo criminoso que foi mantido pelo império
brasileiro, um negro baiano teve grande destaque com advogado e estadista na
corte. Ficou conhecido com o nome de conselheiro Antonio Rebouças. Era
autodidata, obteve devidos seus conhecimentos obteve licença para exercer a
advocacia em todo o país. Ganhou notoriedade nas lutas pela independência do
Brasil na Bahia. Este estadista teve dois filhos engenheiros que são pela suas
obras fizeram nome na engenharia brasileira. Eles são André Rebouças (1833 –
1898) e Antônio Rebouças (1838 – 1991) (Carvalho, 1998). O túnel Rebouças
existente na cidade do Rio de Janeiro tem este nome em homenagem ao Engenheiro
Antônio Rebouças. Os dois engenheiros são nascidos na cidade de Cachoeira no
interior da Bahia. Estudaram na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, que antes
tinha o nome de Escola Militar, formaram-se em 1860 em engenharia, tendo antes
bacharelado em Ciências Físicas e Matemática em 1859, depois fizeram estudos
complementares de engenharia em grandes estruturas na França. Antonio Rebouças
se dedicou à construção de estradas de ferro e foi responsável pela construção
da antiga estrada de ferro de Paranaguá no estado do Paraná. Umas das maiores e
mais belas obras da engenharia brasileira. André Rebouças projetou obras de
abastecimento de água do Rio de Janeiro e das Docas da Alfândega desta mesma
cidade. Foi engenheiro do Exercito Brasileiro durante a Guerra do Paraguai. Os
irmãos Rebouças foram abolicionistas e lutaram em defesa dos direitos sociais
dos africanos e afrodescendentes.
Manoel Quirino foi artista
plástico, arquiteto, professor de desenho, artesão, jornalista, pesquisador da
cultura de base africana, político e sindicalista. Torna-se difícil falar de
pessoa com tão amplo campo de conhecimento e com uma vida tão intensa. Se não
tivesse sofrido as injustiças da cor da pele seria sempre citado e aplaudido
como um grande intelectual brasileiro. O seu pensamento abre um ciclo de uma
nova forma de pensar o africano e as culturas africanas no Brasil. Somente em
tempos recente foi dada a importância que a sua obra merece (Leal, 2004),
(Sodré, 2001). Nasceu em pleno tempo de escravismo criminoso na Bahia, em 1851,
e foi criado sobre as marcas deste sistema injusto. Ficou órfão e foi criando
por uma família que logo percebe seus talentos artísticos e o envia para os
cursos de artes. Foi convocado quando jovem para a guerra do Paraguai, indo
para o Rio de Janeiros, mas devido seus estudos consegue ficar livre do
recrutamento. Voltando a Bahia inicia ampla atividade sindical. Funda em 1874 a Liga Operaria de Artesões da
Bahia. Foi nomeado vereador de Salvador sendo reeleito pelo partido Operário.
Paralelo às atividades político – sindical, completa os estudos em artes e
torna-se professor de desenho. Dos estudos em artes do desenho evolui para a
arquitetura. Foi intelectual ligado ao Instituto Histórico e Geográfico da
Bahia, escreveu no jornal a Província e O Trabalho. Morreu em 1923 deixando
vários livros sobre a cultura africana no Brasil.
A nossa ancestralidade é a
nossa história, ela é base da nossa identidade étnica, e nossa ancestralidade.
Na arquitetura e na engenharia brasileira é muito boa, por isto deveríamos
cultuá-la e cuidá-la para que nos inspire no presente para formarmos grandes
engenheiros afrodescendentes. Na ancestralidade mais antiga africana, a
religião também registra feitos importantes nas áreas de tecnologia,
matemática, arquitetura e engenharia, dados nos mitos sobre Inquisses (Nkisis),
ou de Orixás como Ogum e Oya (Gleason, 1999).
- AFRICANOS NO USO DA MATEMÁTICA.
Pequeno
Conto: O fazedor de fumaça branca.
Henrique
Cunha Jr.
Parece
ser costume de certas tribos europeias em realizar um estranho ritual.
Todas
às vezes quando vão falar de África o fazem em ambientes fechados e acendem
grandes fogueiras. A fumaça branca logo toma o ambiente e tolda os olhos e
mesmo olhando para as coisas da África e eles não vem nada. O habito das
fogueiras foi por muito tempo praticado pelas comunidades de cientistas. Um dia
alguns aboliram este método e se surpreenderam com o que viram. Qual a surpresa
viram na África todas a origens dos conhecimentos europeus.A vaidade era talvez
a maior destas fogueiras.
A prepotência europeia fez com
que as teorias racistas tivessem espaço na ciência do ocidental, atrasando
significativamente os conhecimentos sobre o continente Africano. Os povos africanos foram denominados de
tribais, incultos, meio irracionais e desprovidos de civilização. A onda de
racismo nas ciências se proliferou nos séculos 19 e 20. Infelizmente ate hoje
faz parte do conhecimento difundido por muitos educadores sem informações
consistentes sobre o continente africano. Esta ausência de informação e pratica
da desinformação faz desses educadores uns racistas inconscientes das suas
formas de ação. Deste fato resulta que muitos não se consideram racista, mas
executam pratica educacionais e sociais racistas. As práticas sociais inadequadas impediram a
ciências e os educadores a verem o esplendor das culturas de base africana e da
contribuição destas para o conhecimento da humanidade.
Muitos dos feitos no campo do
conhecimento matemático consideravam restrito ao Egito e não viam que estes
conhecimentos se expandiram por extensas regiões do continente africano. Mesmo
não conseguiam estabelecer que muitos dos conhecimentos foram transmitidos de
outros povos africanos para o Egito. Quando eu leciono história africana (CUNHA
JUNIOR, 1999), começo dividindo a África em macros regiões em tornos das
grandes bacias fluviais e daí desenvolve um mapa das relações comerciais e
culturais entre as diversas regiões africanas. Deste modo mostro que os
conhecimentos, sobre tudo os científicos e tecnológicos se propagam por todo o
continente.
No continente africano as bases
numéricas e as geometrias são diversas, mas existem em todos os povos,
elaborados em lógicas e formas de exposição que ficam de às vezes de difícil
interpretação para quem foi formado na cultura brasileira ocidental. Esta
dificuldade de interpretação e compreensão da forma de exposição levou por
muito tempo a conclusão errônea sobre a inexistência de conhecimentos
matemáticos importantes nestas culturas. As bases numéricas utilizadas são
variadas.(ZASLOVSKY, Claudia. 1973). Os conhecimentos de geometria no
continente africano não se restringem ao que nos chamamos de geometria
euclidiana. Outras lógicas de composição geométrica são encontradas. Uma delas
bastante difundida em diversas aplicações pratica é a geometria fractal. A
geometria fractal é constituída de termos um elemento geométrico de base, que
sobre replicamentos por operações de rotação e ampliação.
Na geometria fractal cada
elemento é constituído de um conjunto de elementos com o mesmo formato, mas em
tamanho e disposição diferentes. Os exemplos das geometrias fractal aparecem na
construção de vilas de casas numa cidade, em formas de penteados de cabelos, em
padronagem de tecidos ou em paredes acústicas em cabanas (Cunha Junior/
Menezes, 2002). Aqui no Brasil as geometrias fractais aparecem nas culturas
afrodescendentes na arte, sendo um excelente exemplo alguns trabalhos de
Emanoel Araújo, como também de Aluísio Carvão. No campo da matemática ocidental
o conhecimento da geometria fractal é muito recente e tem tido grande utilidade
nas áreas de produção de circuitos semicondutores, nos campos da informática
para representação e reconstrução de formas complexas. As aplicações de geometria fractal estão
relacionadas com as tecnologias da informática.
Para exemplificar a realização
de uma figura de geometria fractal foi tomado o fractal de quadrados do Zaire,
que aparece no livro de Mubumbila sobre ciências e tradições africanas no
Grande Zimbábue (Mubumbila, 1992). O Grande Zimbábue é uma região na África
Austral. Neste Fractal as figuras de base são os quadrados e suas rotações e
com ampliações dos lados dos quadrados nas mesmas proporções. Esta figura
geométrica de base da esquerda aparece na cultura da região de diversas formas
estilizadas. Ela esta gravada em tecidos, leques de fibra vegetal e desenhos
corporais. Entretanto este fractal tem
uma importância maior para a matemática. Ele permite termos uma demonstração
original do teorema de Pitágoras pelas áreas das figuras geométricas inscritas.
Trata-se de uma demonstração importante de geometria bem difundida em uma
grande região africana.
Para quem quiser ver a
demonstração temos que área do quadrado mais externo é igual a do quadrado
interno mais os quatro triângulos retângulos complementares. O lado do quadrado
interno é a hipotenusa do triangulo retângulo.O lado do quadrado externo é
igual a soma dos lados do triangulo retângulo. A área do triangulo retângulo é
a área do retângulo dividido por dois. Escrevendo a igualdade das áreas sai o
quadrado da hipotenusa é igual a soma do quadrado dos catetos.
Figura - 1 Os quadrados
fractais e suas variantes iconográficas
- MATEMÁTICAS NOS TEREIROS
A minha formação em engenharia
me levou uma especialização em sistemas dinâmicos. Esta é uma área da
matemática que lida dom sistema que tem movimento e faz este movimento
armazenado energia. Eu também tinha conhecimentos em história africana e estava
em 1987, preocupado com as questões das tecnologias africanas transportadas e
modificado por africanos e afrodescendentes na historia do Brasil e das
Américas. Por esta razão eu vim a conhecer duas historiadoras que trabalhavam
com história das tecnologias na África, as Dras. Adelina Apena, da Nigéria e
Glória Emengale, de Trinidad e Tobago.Ambas tinham se doutorado na Nigéria.
Elas foram às pessoas que pela primeira vez me falaram dos trabalhos de Judith
Gleason (GLEASON, 1999) e Paulus Gerdes () sobre matemática nas sociedades
africanas.
Nos anos de 1980 as ciências da
matemática de sistemas dinâmicos complexos estavam impactadas pelo que era
considerado nos avanços na ciência que era o triunfo da teoria do Caos. Esta
teoria mudou muita a nossa visão de cientista sobre a organização das ciências.
E sobre a nossa capacidade em prever fatos da natureza através das
ciências. A teoria do Caos explica
organização interna de grandes distúrbios que pareciam serem totalmente
desorganizados e sem uma explicação matemática. Foi uma teoria revolucionária
que mostrou a importância de pequenos efeitos físicos na produção de
gigantescos efeitos no futuro distantes. A divulgação da teoria do Caos foi
feita dizendo que ela demonstrava que a batida das asas de uma borboleta na
Ásia poderia ser o início de uma imensa turbulência atmosférica como um tufão
no Caribe alguns meses ou anos mais tarde. A exposição desta teoria do Caos se
realizou por uma representação matemática especifica em diagramas circulares
mostrando as trajetórias caóticas das variáveis observadas.
O que havia de impressionante
em tudo isto? Estas representações da teoria do Caos já existiam há séculos nas
representações da Deusa Oya, nas religiões africanas, em diversas partes da
África. No Mali, na Nigéria, no Congo, em Angola, na África do Sul. Esta
representação está relacionada na cultura de Terreiro, com os fenômenos de
turbulência atmosférica de grandes ventos. O trabalho dd Judith Gleason era
mais surpreendente, pois mostra a existência de uma combinação turbulenta
atmosférica de dimensão continental e de formação caótica justamente sobre o
continente africano e muito bem representada no conhecimento religioso do
Candomblé. Deduzimos daí que o conhecimento da teoria do Caos, que é recente
para a ciência ocidental, já estava registrado e exemplificado como
conhecimento religioso africano de diversas formas. Esta impressionante constatação mexeu demais
com a minha emoção e com o meu respeito, para com os conhecimentos de Terreiro,
ou melhor, dizendo, o conhecimento guardado pelas sociedades tradicionais
afrodescendentes. O meu respeito pelo conhecimento ancestral triplicou, não se
tratava apenas da minha história, mas de histórias significativas para o
conhecimento da humanidade.
Desde então a procura se ampliou,
e não tinha como não se inquietar pela organização dos chamados jogos de
adivinhação africanos (BASCOM, 1980), cujo um dos exemplos bastante conhecido,
é o jogo de Búzios no Brasil.
A informática trabalha com
zeros e huns, constituindo uma base da estrutura de cálculo binária,
desenvolvida pela álgebra de Boole. Neste sistema os números de elementos 2, 4
e 16 são de grande significado. Os
computadores eletrônicos evoluíram nas combinações resultantes de 16 elementos,
bits, para 32, 64, 256, 1024 e 4096 e assim por diante. O interesse cientifico com relação à cultura
de Terreiro aparece quando observamos que os jogos africanos seguem esta mesma
lógica. Os elementos de partida jogo de búzios são 16, e se procura a
informação pela combinação desta probabilidade de ocorrência do búzio aberto,
(um) e do búzio fechado, (zero), numa estrutura de 16 combinados dois a dois. O
jogo de búzios é realizado por especialista depois de um longo período de
formação. Pois ao movimento das peças do jogo que são os búzios tem associado
uma interpretativa filosófica que são os Odus, e cuja complexidade implica numa
ampla reflexão sobre o destino possível dos seres individuais e da sociedade na
sua totalidade.
Nas sociedades africanas
tradicionais esta formação de especialista no jogo dura períodos de ate 20
anos. Mas e existência de uma estrutura numérica 2, 4, e 16 nos terreiros
poderia ser tido como simples coincidência. Assim seria, mas não é. Não o é
dado o conhecimento pelos africanos de jogos de tabuleiros com esta estrutura
de 16 casas e jogados com dois elementos, nos quais se podem fazer cálculos em
diversas bases numéricas, em particular na base binária. O conhecimento do
equivalente a álgebra de Boole, Ocidental, nas sociedades africanas é possível
que date de mais de 3000 anos. O professor Dr. Africano Muleka, radicado no
Brasil e trabalhando em Jequié, na Bahia, apresentou tese na Universidade de
São Paulo, apresentado estas evidências dos jogos de Búzios e da ligação destes
com os cálculos de estruturas computacionais.
Estes são dois, dos muitos
exemplos significativos de conhecimentos em matemática e informática que
podemos encontrar nas culturas de comunidades de terreiros.
- AWARE, UM JOGO MILENAR AFRICANO.
Aware ou Oware é um jogo que
era jogado especialmente pelos povos Ashanti de Gana, e foi devido ao estudo
deste povo, que tomei o primeiro conhecimento deste jogo em 1982. Mas depois
vim saber que este jogo é encontrado em muitas regiões africanas com diferentes
nomes. Adi, no Daomé, Andot no Sudão, Wari ou Ouri, no Senegal e Mali. O jogo
também chegou a diversas regiões das Américas, inclusive o Brasil com os nomes
de Oulu, Walu, Adji e Ti. Estas denominações fazem parte de um conjunto de
jogos e formas de cálculo em tabuleiros, encontrados nas diversas partes da
África e da diáspora Africana que podem ser generalizados sob o nome de
Mancala. Algumas mancalas são ábacos usados para cálculo aritmético, como se
fosse um computador de madeira.
As mancalas são jogos
executados em tabuleiros de madeira, geralmente muito ornamentados tem duas
filas de casas côncavas para cada lado de cada jogador. Nas bases das sequências
de casas temos duas cavidades maiores para servirem de deposito das peças
capturadas durante o jogo por cada jogador. As mancalas mais conhecidas têm
duas fileiras paralelas de seis casas e são atribuídas a cada casa quatro peças
ou quatro sementes para o funcionamento do jogo. Temos mancalas, como o Yolé
com 30 casas, organizadas em 5 colunas e jogadas com 12 peças de cores
diferentes em cada casa.
Na versão mais simples da
Mancala, no caso o tabuleiro de 12 casas e o jogo começando com 4 peças em cada
casa. O objetivo do jogo é de recolher o maior numero possível de peças do
jogador oponente. Para realizar o jogo um dos jogadores vai tomar as peças de
uma das suas casas e distribuí-las nas casas do outro jogador, sendo uma por
cada casa no sentido anti-horário. Neste sentido os depósitos das extremidades
do tabuleiro têm a função de casa. Quando se passa pelo próprio depósito se
deixa aí uma das peças, quando na distribuição se passa pelo depósito do
oponente se pula a distribuição.
Quando na distribuição das
peças de uma casa para as outras, a última peça cai no seu depósito, então você
joga de novo. Mantém-se assim, o mando do jogo. Ou seja, escolhe-se uma casa e
distribui as peças aí contidas, uma a uma, em seqüência anti-horária. Agora na
distribuição das peças se a ultima cair numa casa do seu lado você leva para o
seu depósito todas as peças aí contidas. Se o buraco estiver vazio, leva-se esta
peça e todas da casa do lado oposto. O jogo termina quando toda uma fileira de
casas de um jogador estiver vazia. Aí se contam as peças contidas em cada
depósito, vencendo quem tiver maior número de peças. O jogo implica numa
constante observação de qual casa se começa a tirar as peças e qual o número de
peças contidas para se manter a continuidade de mando do jogo.
Em algumas regiões da África o
jogo é realizado na área á frente das casas ou no terreiro, largo pátio que
circunda a casa, toda esta área que perfaz o entorno da casa, é o seu terreiro.
Não é por acaso que no Brasil, ás comunidades religiosas de matriz africana são
denominadas “terreiro”. Cavam-se pequenos buracos em linha reta e utilizando
pedregulhos ou conchas como peças para os movimentos. O mesmo pode ser
realizado sobre uma mesa com pires de xícaras de café ou de chá e um prato de
sobremesa como depósito.
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